1984 - Cap. 19: Capítulo XIX Pág. 255 / 309

Lembra-te, durante toda nossa conversa, que está em meu poder infligir-te dor a qualquer momento, no grau que eu quiser. Se me mentires, ou tentares prevaricar de qualquer modo, ou caíres em nível de inteligência, gritarás de dor, instantaneamente. Compreendes?

- Compreendo.

Os modos de O'Brien abrandaram-se. Arrumou os óculos, pensativo, e deu algumas passadas. Quando falou, foi com voz gentil e paciente. Tinha o ar de um médico, professor, ou sacerdote, ansioso de explicar e persuadir, e não de punir.

- Dou-me a esta trabalheira contigo, Winston, porque vales a pena. Sabes perfeitamente qual é o teu mal. E sabes há muitos anos, embora lutasses contra o conhecimento. És mentalmente desequilibrado. Sofres de memória defeituosa. És incapaz de recordar acontecimentos reais e pensas que te lembras de outros, que nunca tiveram lugar. Felizmente, é curável. Não te curaste, porque preferiste não te curar. Não te dispuseste a fazer um esforço. Neste mesmo instante, sei que te agarras à tua doença, sob a impressão de que é uma virtude. Consideremos um exemplo. Neste momento, com que potência a Oceania está em guerra?

- Quando fui preso, a Oceania estava em guerra com a Lestásia.

- Com a Lestásia. Bom. E a Oceania sempre esteve em guerra com a Lestásia, não esteve?

Winston respirou fundo. Abriu a boca para falar mas calou-se. Não podia tirar os olhos do mostrador.

- A verdade, Winston, por favor. Tua verdade. Dize-me o que pensas lembrar.

- Lembro-me de que há apenas uma semana antes de ser preso, não estávamos em guerra com a Lestásia. Era nossa aliada. A guerra era contra a Eurásia, e já durava havia quatro anos. Antes... O'Brien deteve-o com um gesto.

- Outro exemplo, - disse ele.





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