1984 - Cap. 19: Capítulo XIX Pág. 254 / 309

Não se lembrava do fim do interrogatório. Houve um período de escuridão e depois a cela, ou sala, onde estava, materializou-se lentamente em torno dele. Estava deitado de costas, e impedido de mexer-se. Tinha o corpo preso em todos os ' pontos essenciais. Até a cabeça estava ligada. O'Brien fitava-o com gravidade e alguma tristeza. Visto de baixo, seu rosto parecia tosco e gasto, olhos empapuçados, rugas cansadas do nariz ao queixo. Era mais velho do que Winston supusera; devia ter entre quarenta e oito e cinquenta anos. Tinha na mão um mostrador com uma alavanca em cima e números em volta.

- Eu te disse que se tornássemos a nos encontrar seria aqui. Sim. Sem qualquer aviso, além de um ligeiro movimento da mão de O'Brien, uma onda de dor percorreu o corpo de Winston. Era uma dor assustadora, porque não podia ver o que acontecia, e tinha a sensação de que lhe infligiam um ferimento mortal. Não sabia se de fato estava acontecendo, ou se apenas o efeito era eletricamente provocado; mas sentia o corpo se deformando, as juntas dos ossos separadas, devagar. Embora a dor o fizesse suar na testa, o pior de tudo era o medo de que a espinha se rompesse. Trincou os dentes e respirou fundo, pelo nariz, procurando manter silêncio o mais possível.

- Estás com medo - disse O'Brien, observando-lhe a face - de que algo arrebente, daqui a um momento. Teu medo é que seja a espinha. Tens uma nítida imagem mental das vértebras se separando e do líquido raquiano escorrendo. Não é nisso que pensas, Winston?

Winston não respondeu. O'Brien puxou a alavanca do mostrador. A onda de dor refluiu com a mesma rapidez com que viera.

- Quarenta - disse O'Brien. - Como vês, os números deste mostrador vão até cem.





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