1984 - Cap. 19: Capítulo XIX Pág. 265 / 309

Eu mesmo tomei parte no interrogatório. E vi-os se entregando aos poucos, gemendo, choramingando, rojando ao chão... e no fim não era de dor ou medo, mas de pura penitência. Quando acabamos com eles, eram apenas invólucros de homens. Neles nada restava, além da mágoa pelo que haviam cometido, e amor ao Grande Irmão. Era tocante ver como o amavam. Imploravam o fuzilamento sem espera, para que pudessem morrer enquanto tinham ainda o pensamento limpo.

Sua voz tornara-se quase sonhadora. A exaltação, o entusiasmo lunático, ainda estavam no seu rosto. Não está fingindo, pensou Winston. Não é hipócrita: acredita em tudo que diz. O que mais o oprimia era ter consciência da sua própria inferioridade intelectual. Observou o corpanzil, forte mas gracioso, deslocar-se de um lado para outro, fugindo ao seu campo de visão. De todas as maneiras, O'Brien era maior do que ele. Não havia ideia que tivesse, ou pudesse ter tido, que O'Brien, muito antes, já não tivesse conhecido, examinado e repelido. Sua mente continha a mente de Winston. Mas nesse caso, como poderia ser louco? O louco devia ser ele, Winston. O'Brien parou e tornou a olhar para ele. A voz de novo adquirira um tom ríspido:

- Não imagines que te salvarás, Winston, por mais completamente que te rendas. Quem se desvia uma vez não é nunca poupado. E mesmo que resolvamos permitir que vivas até o fim normal da tua vida, não nos escaparás. O que acontece aqui dura para sempre. Compreende isso, antecipadamente. Havemos de te esmagar até o ponto de onde não se volta. Vão-te acontecer coisas das quais não te poderias recuperar nem que vivesses mil anos. Nunca mais poderás sentir sensações humanas comuns. Tudo estará morto dentro de ti.





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