Nunca mais serás capaz de amor, ou amizade, ou alegria de viver, riso, curiosidade, coragem, ou integridade. Serás oco. Havemos de te espremer, te deixar vazio, e então saberemos como te encher.
Fez uma pausa e indicou qualquer coisa ao homem do avental branco. Winston percebeu que algum aparelho pesado estava sendo colocado debaixo da sua cabeça. O'Brien sentou-se ao lado da cama, de modo a ficar com a cabeça quase no nível de Winston.
- Três mil - disse ele, dirigindo-se ao homem de branco.
Duas almofadinhas, que pareciam um tanto húmidas, foram aplicadas às fontes de Winston. Ele desacorçoou. Ia sentir dor, uma nova espécie de dor. O'Brien pousou a mão sobre a dele, num gesto tranquilizador, quase bondoso.
- Desta vez não dói - afirmou. - Fixa-me bem nos olhos.
Naquele momento houve uma tremenda explosão, ou o que parecia uma formidável explosão, embora Winston não tivesse certeza de ouvir barulho algum. Sem dúvida, porém, houvera um clarão ofuscante. Winston não se sentiu dorido, apenas prostrado. Embora já estivesse deitado de costas quando sucedeu a coisa, teve a curiosa sensação de que fora a explosão que o pusera assim. Um golpe terrível, sem dor, lançara-o abaixo. Dentro da sua cabeça, também acontecera algo. Quando seus olhos recobraram o foco, ele se lembrou quem era, onde estava, e reconheceu o rosto que o olhava de perto; mas nalgum lugar havia uma vasta área de vazio, como se lhe tivessem tirado um pedaço do miolo.
- Não dura muito - disse O'Brien. - Olha-me nos olhos. Com que país a Oceania está em guerra?
Winston pensou. Sabia o que queria dizer Oceania, e que era cidadão da Oceania. Lembrava-se também da Lestásia e da Eurásia; mas não sabia quem estava em guerra.