Este drama que representei contigo durante sete anos será representado inúmeras vezes, geração após geração, sempre em formas mais subtis. Sempre teremos aqui o herege à nossa mercê, gritando de dor, quebrado, desprezível - e no fim completamente arrependido, salvo de si próprio, rastejando aos nossos pés por sua própria vontade. É esse o mundo que estamos preparando, Winston, um mundo de vitória após vitória, de triunfo sobre triunfo sobre triunfo: infinda pressão, pressão, pressão sobre o nervo do poder. Vejo que começas a perceber o que será o mundo. Mas no fim farás mais do que compreender. Tu o aceitarás, aplaudirás, farás parte dele.
Winston recobrara-se o suficiente para falar.
- Não podes! - disse, debilmente.
- Que queres dizer com isso?
- Não podes criar um mundo como o que descreveste. É um sonho. É impossível.
- Porquê?
- É impossível fundar uma civilização sobre medo, ódio e crueldade. Nunca poderia durar.
- Por que não?
- Não teria vitalidade. Desintegrar-se-ia. Suicidar-se-ia.
- Tolice. Tens a impressão que o ódio cansa mais que o amor. Por que cansaria mais? E se cansasse, que diferença faria? Suponhamos que resolvemos nos gastar mais depressa. Suponhamos que aceleramos o ritmo da vida humana, de modo que estamos senis aos trinta anos. Que diferença faria? Não podes compreender que a morte do indivíduo não é morte? O Partido é imortal.
Como de praxe, a voz martelara Winston, mostrando sua impotência. Além disso, temia que, se persistisse em discordar, O'Brien tornasse a virar o ponteiro. E no entanto não podia se calar. Debilmente, sem argumentos, sem nada que o apoiasse além do seu horror inarticulado ao que dissera O'Brien, voltou ao ataque.