- Não sei... não me importa. De algum modo, haverá de falhar. Algo vos derrotará. A vida vos derrotará.
- Nós controlamos a vida, Winston, em todos os seus níveis. Imaginas que existe uma coisa às vezes chamada natureza humana, que se enfurece como o que fazemos e que se voltará contra nós. Mas nós criamos a natureza humana. Os homens são infinitamente maleáveis. Ou talvez tenhas voltado à velha ideia de que os proletários ou os escravos se levantarão e nos derrubarão. Perde a esperança. São inermes, como os animais. A humanidade é o Partido. Os outros estão de fora... não contam.
- Não me importa. No fim haverão de vos derrotar. Mais cedo ou mais tarde verão o que sois, e então vos estraçalharão.
- Vês algum sinal de que isso aconteça? Alguma razão para que aconteça?
-Não. É o que acredito. Sei que falhareis. Há algo no universo - não sei o quê, um espírito, um princípio - que fará com que nunca vencereis.
- Acreditas em Deus, Winston?
- Não.
- Então o que é esse princípio que nos derrotará?
- Não sei. O espírito do Homem.
- E tu te consideras homem?
- Sim.
- Se és homem, Winston, és o último homem. A tua raça está extinta. Nós somos os herdeiros. Entendes que estás sozinho? Estás fora da história, tu és não-existente. - Seus modos mudaram e ele disse, mais brusco: - E consideras-te moralmente superior a nós, com nossas mentiras e nossa crueldade?
- Sim, eu me considero superior.
O'Brien não falou. Duas outras vozes falavam. Dali a um momento, Winston reconheceu como sua uma delas. Era uma gravação da conversa que tivera com O'Brien, na noite em que se ligara à Fraternidade. Ouviu-se prometendo mentir, roubar, forjar, assassinar, incentivar a toxicomania e a prostituição, a disseminação de doenças venéreas, atirar vitríolo no rosto duma criança.