1984 - Cap. 20: Capítulo XX Pág. 280 / 309

O'Brien teve um pequeno gesto de impaciência, como se dissesse que mal valia a pena fazer a demonstração. Ele apertou um botão e as vozes calaram-se. ~- Levanta-te dessa cama - ordenou.

Os laços se haviam afrouxado. Winston alcançou o chão com os pés e levantou-se titubeando.

- És o último homem - disse O'Brien. - És o guardião do espirito humano. Já verás que aspeto tens. Despe-te. Winston desamarrou o barbante que servia de cinto ao macacão. Havia muito tempo que se fora o zip, violentamente arrancado. Não podia se recordar de nenhuma ocasião, desde que fora preso, em que se despira totalmente. Por baixo do macacão, tinha o corpo enrolado em imundos trapos amarelados, mal reconhecíveis como restos de roupa de baixo. Ao largá-las no chão, viu que havia no extremo do aposento um jogo de três espelhos. Aproximou-se dele e parou de repente. Um grito involuntário lhe rompeu dos lábios.

- Anda - disse O'Brien. - Cola-te entre os espelhos. Poderás ver-te de lado e de frente.

Ele se detivera porque estava com medo. Caminhava ao seu encontro um espantalho esquelético, curvado e cinzento. Era a sua aparência que dava medo, e não apenas o fato de saber que se tratava dele mesmo. Aproximou-se do cristal. A cara da criatura parecia se projetar, por causa do corpo arcado. Uma cara triste de presidiário, com a testa ossuda se prolongando pelo crânio calvo, um nariz adunco e zigomas salientes, acima dos quais os olhos apareciam vigilantes e ferozes. As faces estavam cobertas de sulcos, a boca chupada para dentro. Com certeza, era o seu rosto, mas parecia-lhe ter mudado mais do que mudara por dentro. As emoções que revelava seriam diferentes das que sentia. Ficara parcialmente calvo.





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