Não teve dificuldade em eliminar a falácia, e não corria risco de sucumbir. Não obstante, percebia que não lhe devia ter ocorrido. O cérebro devia formar um ponto cego sempre que se apresentasse um pensamento perigoso. O processo devia ser automático, instintivo. Crimedeter, era o seu nome em Novilíngua.
Pôs-se a exercitar-se em crimedeter. Apresentava a si próprio proposições - "o Partido diz que a terra é plana," "o Partido diz que o gelo é mais pesado que a água," - e treinava para não ver ou não compreender os argumentos que as contradiziam. Não era fácil. Necessitava grandes recursos de raciocínio e improvisação. Os problemas aritméticos provocados por uma afirmativa como por exemplo "dois e dois são cinco", estavam fora da sua compreensão intelectual. Precisava também de uma espécie de atletismo da mente, da habilidade de num momento fazer o uso mais delicado da lógica e, no momento seguinte, ser inconsciente dos mais brutais ilogismos. A estupidez era tão necessária quanto a inteligência, e igualmente difícil de se conquistar.
Durante todo tempo, uma parte do seu espírito se indagava quando o matariam. "Tudo depende de ti" dissera O'Brien; mas sabia não haver ato consciente pelo qual aproximasse o fim. Poderia ser dali a dez minutos, ou dez anos. Poderiam metê-lo numa solitária, poderiam mandá-lo a um acampamento de trabalhos forçados, poderiam soltá-lo algum tempo como às vezes faziam.