1984 - Cap. 23: Capítulo XXIII Pág. 300 / 309

Parara a música da teletela, e uma voz a substituíra. Winston levantou a cabeça para escutar. Não era um boletim da frente, todavia. Apenas um breve comunicado do Ministério da Fartura. Aparentemente, no trimestre anterior, fora superada de noventa e oito por cento a cota de atacadores para sapatos do Décimo Plano Trienal.

Examinou o problema de xadrez e arrumou as pedras. Era um final complicado, com dois bispos. "As brancas jogam. Mate em dois lances." Winston ergueu os olhos para o retrato do Grande Irmão. As brancas sempre matam, pensou, numa espécie de nebuloso misticismo. Sempre, sem exceção, é o que acontece. Em nenhum problema de xadrez, desde o começo do mundo, as pretas jamais venceram. Não seria um símbolo do triunfo eterno, invariável, do Bem sobre o Mal? A carantonha fitava-o, cheia de calmo poder. As brancas sempre matam.

A voz da teletela fez uma pausa e acrescentou, num tom diferente, muito mais grave:

- Avisamos que devem todos aguardar uma comunicação importante às quinze e trinta. Quinze e trinta! Notícias da mais alta importância! Não percam! Quinze e trinta!

E a música metálica recomeçou. Winston ofegou. Devia ser o boletim da frente de batalha; o instinto dizia-lhe que vinham más notícias. O dia inteiro, com pequenas fases de excitação, pensara numa esmagadora derrota na África. Parecia-lhe ver o exército eurasiano formigando, cruzando a fronteira inviolada e invadindo a ponta da África como uma coluna de saúvas. Porque não fora possível franqueá-lo de algum modo? A silhueta da costa ocidental da África destacou-se vividamente na sua mente. Apanhou o bispo branco e colocou-o num dos quadros. Ali estava a casa certa. Ao mesmo tempo que visualizava a horda negra disparando para o sul, via outra força, misteriosamente reunida, subitamente plantada na sua retaguarda, cortando-lhe as comunicações por terra e mar.





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