Aplicada a um adversário, é insulto; aplicada a um correligionário, é elogio. Sem dúvida alguma Syme será vaporizado, Winston tornou a pensar. Pensou-o com um laivo de tristeza, embora soubesse muito bem que Syme o desprezava e hostilizava ligeiramente, e que era perfeitamente capaz de denunciá-lo como ideocriminoso se enxergasse algum motivo para assim Proceder. Havia algo de errado, de sutilmente errado, em Syme. Carecia de discrição, indiferença, e de estupidez salvadora. Não se podia dizer que fosse ortodoxo. Acreditava nos princípios do Ingsoc, venerava o Grande Irmão, rejubilava-se com as vitórias, odiava os hereges, não apenas com sinceridade como com zelo incansável e informação recente, de que os militantes comuns não se aproximavam. Todavia, um ligeiro ar de má fama estava sempre presente nele. Dizia coisas que era melhor calar, lia livros demais, frequentava o
Café Castanheira, santuário de pintores e músicos. Não havia lei, nem implícita, contra a frequência do Café Castanheira; ainda assim, a casa era de maus presságios. Os antigos e desacreditados líderes do Partido costumavam reunir-se lá, antes de serem expurgados. Dizia-se que o próprio Goldstein fora visto algumas vezes lá, anos e décadas passadas. Não era difícil prever o fim de Syme. No entanto era fato que se Syme percebesse, por três segundos que fosse, a natureza das opiniões secretas de Winston, instantaneamente o denunciaria à Polícia do Pensamento. Aliás, era o que faria qualquer um: Syme mais que os outros, porém.
O zelo não bastava. Ortodoxia era inconsciência.
Syme ergueu o olhar.
- Aí vem Parsons, - anunciou. - E alguma coisa no seu tom de voz pareceu acrescentar: "aquele pobre idiota.