Teria uns trinta anos, e ostentava pescoço musculoso, e boca grande, muito agitada. Como estava com a cabeça um pouco inclinada para trás, seus óculos captavam a luz e apresentavam a Winston dois discos brancos, em vez de olhos. O horrível era que daquela catadupa de som que borbotava de sua boca, mal se podia distinguir uma palavra solta. Apenas uma vez Winston apanhou uma frase - "eliminação completa e final do goldsteinismo" - grasnada toda de uma vez, numa peça só, como se fosse uma linha de linotipo. O resto não passava de barulho, quá-quá-quá. Embora não se pudesse ouvir o que o homem dizia, não podia haver dúvida quanto à natureza geral da litania. Talvez estivesse denunciando Goldstein e exigindo medidas mais severas contra os ideocriminosos e sabotadores, talvez fulminando as atrocidades do exército eurasiano; podia estar louvando Grande Irmão ou os heróis da frente de Malabar - não fazia diferença. Fosse o que fosse, podia-se ter a certeza de que cada palavra era pura ortodoxia, puro Ingsoc. Olhando a cara sem olhos, a mandíbula mexendo sem parar, Winston teve a sensação curiosa de não se tratar de um legítimo ente humano, mas de uma espécie de manequim. Não era o cérebro do homem que falava, era a laringe. O que saía da boca era constituído de palavras, mas não era fala genuína: era um barulho inconsciente, como o grasnido dum pato.
Syme calara-se por um momento, e com o cabo da colher desenhava arabescos de caldo sobre a mesa. A voz da outra mesa continuou grasnando rápido, fácil de ouvir apesar da barulheira ambiente.
- Em Novilíngua há uma palavra que não sei se conheces. É patofalar - disse Syme. - Grasnar como pato. É uma dessas palavras interessantes que têm dois sentidos contraditórios.