1984 - Cap. 5: Capítulo V Pág. 61 / 309

A nova ração só começava no dia seguinte e lhe restavam apenas quatro cigarros. Conseguira tapar os ouvidos aos barulhos mais distantes e estava escutando a parlapatice da teletela. Aparentemente, houvera até demonstrações de agradecimento ao Grande Irmão por aumentar para vinte gramas a ração semanal de chocolate. No entanto, apenas na véspera, fora anunciada a redução para vinte gramas. Seria possível que engolissem aquilo, vinte e quatro horas depois? Pois engoliam. Parsons engoliu facilmente, com estupidez de animal. A criatura sem olhos, da outra mesa, engoliu fanaticamente, apaixonadamente, com um desejo furioso de descobrir, denunciar e vaporizar quem quer que ousasse sugerir que na semana anterior fora trinta gramas. Syme também - de modo mais complexo, com duplipensar de permeio - Syme engoliu. Então era ele o único de posse da lembrança?

Fabulosas estatísticas continuaram saindo da teletela. Em comparação com o ano anterior havia mais comida, mais roupa, mais casas, mais móveis, mais panelas, mais combustível, mais navios, mais helicópteros, mais livros, mais recém-nascidos - tudo aumentara, exceto a doença, o crime e a loucura. Ano após ano, minuto após minuto, todo mundo, tudo, tudo o mais ganhava as alturas. Como fizera Syme antes, Winston tomou a colher e com o caldo se pôs a desenhar calungas sobre a mesa. Meditava, ressentido, na textura física da vida. Teria sido sempre assim? Teria a comida tido sempre o mesmo gosto? Olhou em torno da cantina. Um salão de teto baixo, paredes sujas do contacto de inúmeros corpos; maltratadas cadeiras e mesas de metal, tão juntinhas que os cotovelos se tocavam. Colheres arcadas, bandejas trincadas, rústicas xícaras brancas; gordurentas todas as superfícies, sujeira em cada frincha; e um cheiro azedo, composto de gin ordinário, café ruim, guisado metálico e roupa suja.





Os capítulos deste livro