- Ah, isso não sei, naturalmente. Mas não ficaria nada surpreendido de que... - e Parsons imitou um soldado fazendo mira com o fuzil, e com a língua estalou um tiro.
- Bom - fez Syme, distraido, sem nem ao menos levantar os olhos do papel. - Naturalmente, não podemos nos arriscar - comentou Winston, lealmente.
- Quero dizer, estamos em guerra - disse Parsons.
Como se para confirmar essas palavras, um toque de clarim soou da teletela, bem por cima da cabeça do trio. Não se tratava, contudo, da proclamação de uma vitória militar, mas apenas um anúncio do Ministério da Fartura.
- Camaradas! - gritou uma voz juvenil. - Atenção, camaradas! Temos gloriosas notícias! Ganhamos a batalha da produção! Os totais completos da produção de todos os artigos de consumo demonstram que o padrão de vida aumentou de nada menos que vinte por cento sobre o ano passado. Em toda a Oceania houve esta manhã incontroláveis demonstrações espontâneas, com os trabalhadores marchando das fábricas e escritórios, e desfilando pelas ruas, com estandartes exprimindo sua gratidão ao Grande Irmão, pela nova vida feliz que a sua sábia liderança nos deu. Eis alguns dos totais finais. Gêneros alimentícios...
A expressão "nova vida feliz" correu várias vezes. Ultimamente, caíra no goto do Ministério da Fartura. Parsons, a atenção presa pelo toque marcial, escutava com ar solene e boca aberta, mistura de aborrecimento e enlevo. Não podia acompanhar as cifras, mas tinha a certeza de que deviam causar satisfação. Tirara do bolso um cachimbão imundo, já meio cheio de fumo chamuscado. Com cem gramas de tabaco por semana, raramente era possível encher o cachimbo até em cima. Winston fumava um cigarro Vitória, que mantinha cuidadosamente na horizontal.