1984 - Cap. 7: Capítulo VII Pág. 76 / 309

Eram donos de toda a terra, todas as casas, todas as fábricas, todo o dinheiro. Se alguém lhes desobedecesse, podiam jogá-lo na prisão, ou podiam tomar-lhe o emprego e matá-lo lentamente, pela fome. Quando um cidadão comum falava com um capitalista, tinha de se encolher e se inclinar, tirar o boné e chamá-lo de "Senhor." O chefe de todos os capitalistas denominava-se Rei, e...

Mas ele conhecia o resto do catálogo. Vinham as referências aos bispos com suas vestes opulentas, os juízes e os mantos de arminho, o pelourinho, o cepo, a roda de castigo, o gato de nove caudas, o Banquete do Lord Maior e a prática de beijar o artelho do Papa. Haveria também o chamado jus primae noctis, que provavelmente não seria citado num livro para crianças. Era o direito de todo capitalista de dormir com qualquer operária de suas fábricas.

Como era possível dizer onde acabava a verdade e começava a mentira? Podia ser verdade que o ser humano comum agora vivesse melhor do que antes da Revolução. A única prova em contrário era o protesto mudo nos ossos, o sentimento instintivo de que as condições em que vivia eram intoleráveis e que deviam ter sido diferentes. De repente achou que as únicas coisas verdadeiramente típicas da vida moderna não eram nem a crueldade nem a insegurança, mas apenas a nudez, a miséria, o desânimo. Olhando-se em torno, verificava-se que a vida não apenas diferia das mentiras que Provinham das teletelas, como também dos ideais que o Partido buscava atingir. Muitas atividades cotidianas, mesmo para um membro do Partido, eram neutras e não políticas, questão de cumprir tarefas tediosas, lutar por um lugar no trem subterrâneo, remendar uma meia gasta, esmolar uma pastilha de sacarina, guardar uma ponta de cigarro.





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