O ideal criado pelo Partido era enorme, terrível, luzidio -um mundo de aço e concreto, de monstruosas máquinas e armas aterrorizantes - uma nação de guerreiros e fanáticos, marchando avante em perfeita unidade, todos tendo os mesmos pensamentos e gritando as mesmas divisas - trezentos milhões com a mesma cara - trabalhando perpetuamente, lutando, triunfando, perseguindo. A realidade eram cidades caindo em ruinas, escuras, onde o populacho subnutrido perambulava com sapatos furados, vivendo em remendadas casas do século dezanove que sempre cheiravam a repolho e latrinas de mau funcionamento. Parecia ter uma visão de Londres, vasta e arruinada, uma cidade de um milhão de latas de lixo, e misturada com ela a figura da Sra. Parsons, mulher de cara enrugada e cabelo ralo, lidando sem esperança com um cano de esgoto.
Tornou a esticar o braço e a coçar o tornozelo. Dia e noite as teletelas feriam os ouvidos com estatísticas provando que hoje o povo tinha mais alimento, mais roupa, melhores casas, melhor divertimento - que vivia mais, trabalhava menos, era mais alto, mais saudável, mais forte, mais feliz, mais inteligente, mais bem educado, do que o povo de cinquenta anos atrás. Nenhuma palavra podia ser provada ou negada. O Partido proclamava, por exemplo, que hoje 40% dos proles eram alfabetizados; e dizia que antes da Revolução o total não chegava a 15%. O Partido afirmava que a mortalidade infantil era agora de apenas 160 por mil, enquanto que antes fora trezentos por mil - e assim por diante. Era uma equação única com duas incógnitas. Podia muito bem dar-se que cada palavra, literalmente, dos livros de história, mesmo quando aceite sem dúvida, fosse pura fantasia. Tanto quanto sabia, podia muito bem ser que nunca tivesse havido o jus primae noctis, nem capitalistas, nem cartola.