1984 - Cap. 8: Capítulo VIII Pág. 99 / 309

Costumavam embuti-lo assim, em vidro. Isso foi feito no mínimo há cem anos. Quem sabe até mais.

- É lindo - suspirou Winston.

- É mesmo - concordou o velho, com ar de apreciador. - Mas pouca gente o diria hoje. - Tossiu.

- Se por acaso o senhor quiser comprar, são quatro dólares. Lembro-me duma época em que uma coisa dessas renderia oito libras esterlinas, e oito libras eram,... bom, não sei mais calcular... mas era um bocado de dinheiro. Hoje porém, quem liga às antiguidades genuínas, as poucas que restam?

Winston pagou imediatamente os quatro dólares e meteu no bolso o cobiçado objeto. Atraía-o não tanto a sua beleza como o fato de pertencer a uma época muito diferente da atual. O vidro macio, límpido como água da chuva, não se parecia com vidro algum, dos que conhecia. A coisa era-lhe duplamente atraente por ser inútil, embora adivinhasse que fora usada outrora como peso de papéis; pesava muito no bolso, mas por sorte não fazia muito volume. Era um objeto estranho, comprometedor mesmo, para um membro do Partido possuir. Tudo quanto fosse antigo, e tudo quanto fosse belo, era sempre vagamente suspeito. O velho tornara-se bem mais loquaz depois de receber os quatro dólares. Winston percebeu que teria aceito três, ou mesmo dois.

- Lá em cima tenho um quarto, que o senhor talvez queira conhecer - disse. - Não há grande coisa, algumas peças apenas. Deixe-me acender o lampião.

Acendeu outra lâmpada e, sempre arcado, tomou a dianteira, subindo os degraus altos e gastos. Ganharam um corredor minúsculo e entraram num cômodo que não dava para a rua, abrindo sobre um pátio lajeado e uma floresta de coifas de chaminé. Winston reparou que o quarto estava mobiliado como se alguém ainda o habitasse.





Os capítulos deste livro