- Olha para isto! Nem um único botão! És incorrigível!
- Não posso perder tempo com minudências dessas.
A minha alma está acima dos botões.
- Porque não me deixas coser-tos? E outra coisa: hoje não fizeste a barba. Que horror! Podias ao menos preocupar-te em fazê-la todas as manhãs.
- Não posso permitir-me esse luxo- retorquiu ele, com perversidade.
- Que queres dizer com isso? Fazer a barba não custa dinheiro, suponho.
- Custa sim. Tudo custa dinheiro. O asseio, a decência, a energia, a dignidade... numa palavra, tudo. Espremido, é tudo dinheiro. Não to disse já um milhão de vezes?
Ela voltou a apertá-lo - era surpreendentemente vigorosa - e olhou-o de cenho carregado, observando o rosto como uma mãe perante uma criança caprichosa que estima para além do razoável.
- Sou uma grande parva! - admitiu, por fim.
- Em que sentido?
- Por gostar tanto de ti.
- Gostas na verdade de mim?
- Com certeza. Estás farto de o saber. Adoro-te. É parvoíce minha, sem dúvida, mas...
- Então, vamos para um lugar escuro. Quero beijar-te.
- Não me atrai a perspectiva de ser beijada por um homem que não se barbeou.
- Será uma experiência nova para ti.
- Nem penses. Sobretudo depois de te conhecer há mais de dois anos.
- Vem, em todo o caso.
Descobriram uma viela quase às escuras nas traseiras de duas séries de prédios. Todas as suas actividades amorosas se desenrolavam em locais daqueles. O único lugar em que podiam desfrutar de certa intimidade eram as ruas. Ele premiu os ombros dela contra a superfície áspera dos tijolos da parede. Rosemary ergueu prontamente o rosto e estreitou-o com uma espécie de afecto ávido e violento, como uma criança. E embora os corpos estivessem colados, dir-se-ia que havia um escudo entre eles. Ela beijou-o como faria uma criança, porque sabia que Gordon esperava ser beijado. Era sempre assim... Apenas em momentos muito raros ele conseguia despertar-lhe vestígios de desejo físico, que ela parecia esquecer com prontidão, pelo que se via sempre compelido a recomeçar do princípio.