- Que fez à Rosemary?
- Foi-se - disse Gordon, com um gesto largo destinado a explicar tudo. - Mas a noite ainda é uma criança.
- Acho boas horas de ir para a cama.
- Para a cama, sim. Mas não sozinho.
Deteve-se na borda do passeio, com o olhar fixo na noite enevoada. Por instantes, sentiu-se como que isolado de tudo o que o rodeava. Ardia-lhe a cara e apercebia-se de um mal-estar em todo o corpo. A cabeça, em particular, dir-se-ia na iminência de explodir. O cenário impreciso à sua volta harmonizava-se com as suas sensações.
Observou distraidamente os dísticos publicitários vermelhos e azuis, símbolos sinistros de uma civilização condenada, como as luzes em extinção gradual de um navio a afundar-se. Por fim, segurou o braço de Ravelston e fez um gesto que abarcava todo Piccadilly Circus.
- As luzes do inferno não devem ser diferentes destas.
- É muito possível.
Ravelston tentava avistar um táxi livre, empenhado em levar Gordon para a pensão e metê-lo na cama sem demora. Entretanto, este último não conseguia determinar se atravessava uma fase de alegria ou de agonia. A sensação ardente, como que de uma explosão iminente, era horrível. A sua metade sóbria ainda não morrera. Dava-se conta com perfeita clareza do que fizera e fazia. Cometera loucuras pelas quais no dia seguinte desejaria pôr termo à vida. Esbanjara cinco libras em extravagâncias insensatas, roubara Júlia, insultara Rosemary. E amanhã... oh, amanhã estaremos sóbrios! «Vai para casa, vai para casa!», exclamava a metade sóbria. «lixa-te!», replicava a metade ébria, com desdém. Esta queria continuar a divertir-se, e era a mais forte das duas. Um relógio luminoso algures atraiu-lhe a atenção. Vinte para as onze.