Negava-se a pensar no futuro. Deu-lhe o sono muito cedo e, às oito, foi-se deitar no quarto de hóspedes e dormiu como um cepo durante nove horas.
Só na manhã seguinte começou a ponderar seriamente a sua situação. Acordou na larga e acariciante cama, mais macia e quente do que qualquer das que até então conhecera, e procurou os seus fósforos. Em seguida, lembrou-se de que em semelhantes ambientes não havia necessidade de fósforos para obter luz e tacteou em busca do interruptor eléctrico, que pendia de um cordão na cabeceira. O quarto foi banhado por um clarão suave. Havia um sifão com água gasosa em cima da mesa-de-cabeceira, e ele descobriu que, apesar de transcorridas trinta e seis horas, ainda tinha um sabor amargo na boca. Assim, bebeu um pouco e olhou em volta.
Era uma sensação estranha, estar deitado numa cama alheia e vestindo um pijama emprestado. Afigurava-se-lhe que não tinha nada que fazer ali - que não, pertencia a um enquadramento daqueles. Experimentava uma sensação de culpa por se achar rodeado de luxo, quando estava totalmente' arruinado, sem um único péni. Sim, porque não subsistia a menor dúvida de que se podia considerar arruinado. Já devia ter perdido o emprego e só Deus sabia o que aconteceria a seguir. A recordação da noite horrível de devassidão acudiu-lhe ao espírito com todos os pormenores, desde o momento em que ingerira o primeiro gim até às ligas cor-de-rosa de Dora. Quando pensou nesta, estremeceu. Porque seria que uma pessoa fazia aquelas coisas? Por dinheiro maís uma vez, sempre o dinheiro! Os ricos não se comportam assim. Até no exercício dos seus vícios são graciosos.