Pagara-lhe a multa e a renda da pensão, sustentara-o durante uma semana e «emprestara-lhe» duas libras ainda par cima. Mas nada daquilo tinha importância, pais tratava-se de uma mera combinação entre amigas e Gordon procederia do mesma modo, se as papéis se invertessem. De vez em quando, este efectuava débeis esforços para se escapar, que terminavam sempre da mesma maneira.
- Não passa continuar aqui, Ravelston. Já me sustentou demasiado tempo. Saía amanhã mesma.
- Mas seja sensato, meu caro amigo! Lembre-se que não tem... - Não! Achava-se impossibilitado de dizer «Lembre-se que não tem dinheiro; apesar de Gordon se encontrar na penúria absoluta. Com efeito, não são coisas que se digam, e optou por uma solução de compromisso. - Onde tenciona viver?
- Não faça a menor ideia... nem quero saber. Há alojamentos comuns. Ainda me restam uns xelins.
- Não seja pateta. Está muita melhor aqui, até arranjar emprego.
- Mas podem passar-se meses antes que tal aconteça. Não devo continuar a impor-lhe a minha presença, com todas as despesas inerentes.
- Tolices, amigo! Gasta de o ter cá.
Na entanto, não gostava realmente de o ter lá. Como poderia gostar? Tratava-se de uma situação impassível. Pairava tensão constante sobre eles, como acontece sempre que uma pessoa vive à custa de outra. Por muito habilmente que se disfarce, a caridade não deixa de ser horrível; existe um mal-estar, uma animosidade íntima, entre o dador e o destinatário. Gordon sabia que a sua amizade com Ravelston jamais voltaria a ser a mesma. Independentemente do que acontecesse mais tarde, a recordação daquele detestável período erguer-se-ia entre eles. A sensação da sua posição dependente, de empecilho, indesejável, um obstáculo não o largava dia e noite.
À hora das refeições, comia em segredo, não fumava o tabaco de Ravelston e preferia comprá-lo com os xelins que lhe restavam. Nem sequer acendia o aquecimento de gás no quarto. Se pudesse, tornar-se-ia invisível. Todas os dias entravam e saíam pessoas no apartamento e no escritório em baixo, naturalmente, que viam Gordon e abarcavam a sua situação.