Os Pobres - Cap. 17: XVI - O que é a vida? Pág. 106 / 158

Saíram uns atrás dos outros, sem queixas nem gritos.

Afinal todos tinham desaparecido; só na escuridão ficara uma velha prostituta. Era quase uma coisa – a podridão. Não sabia falar, nem sabia queixar-se. Tinha aparecido para dizer o quê? Que acusação tremenda contra a vida?

Chegou-se a ela o Gabiru e pôs-se a olhá-la. Depois perguntou-lhe:

– Tu que tens? tu que queres? Vai-te!...

Ela não respondeu, e ele esquecido ficou muito tempo a cismar. O que era a Vida afinal?... Pouco e pouco um clarão se fazia na sua alma... O Gabiru absorto sonhou, até que a seu lado uma voz rouca lhe disse:

– Mas então pra quê? pra que criam a gente? Eu tenho amargado a vida e nem posso gritar... E tu?

– Eu também... Mas olha: eu gosto de sofrer...

Escuta: sofrer é afinal reanimar uma labareda, um fogo que se extingue... Possuir um sonho e vê-lo calcado!...

– Eu cá fui sempre assim, andei sempre assim...

Quem se importa? Não me lembro de ter sido feliz...

Não me lembro... Sempre se riram de mim e toda a vida me bateram.

– Tu sim, pobre de ti... e amaste?

– Não me lembro. Depois de servida batiam-me.

Eu fui sempre menos que nada. Quem se importa! Inda se a gente encontra o pão de cada dia... Agora sempre anda um frio!...

– Tu sim... Pobre, pobre de ti! Eu fui feliz, fui sempre feliz afinal. E batiam-te?

– Punham-me o corpo negro... E a ti?

– Puseram-me a alma negra.

– E tu?

– Eu sofria. Diz o que sofreste.

– Não me lembro.

Encostados um ao outro, para se aquecerem, cismavam, enregelados, quase cobertos pelos mesmos trapos. Noite escura, mas no sítio onde eles encolhidos sonhavam, pareciam arder faúlas, restos dum lar a apagar-se.

– Ouve, não chores... Tens frio?

– Estou gelada de frio.





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