Os Pobres - Cap. 18: XVII - História do Gebo Pág. 112 / 158

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Aquilo terminava por lágrimas e por o velho perguntar, perdido de fome, todo o dia na negra faina:

– E agora como há-de ser?

A mãe tinha escondido alguns vinténs tirados à boca e em torno do pão, esquecidos, lá se deitavam a falar da sua miséria.

De forma que Sofia nada sabia da vida, e assim fora crescendo sem queixas, resignada e pura. A Deus rezava todas as noites pela vida do velho, pela saúde daquele ser ofegante e grotesco, que passava horas e horas a chorar.

– ...O pão nosso de cada dia nos dai hoje...

– Filha, que há-de ser de ti!

Engordava, não se podia mexer. Faltavam-lhe de todo as forças. Estendia a mão na rua como os mendigos.

Um dia foi preso, e expulsavam-no das lojas. A ideia da filha abandonada e com fome alucinava-o:

– Eu já não posso mais! eu já não posso mais!...

Os dias passaram-se desesperados, idênticos, ferozes. Todos os dias se pareciam, como a desgraça se assemelha à desgraça. Até que caiu por terra, e durante a noite inteira correu na mansarda aquele ruído de lágrimas baixinho e monótono; toda a noite infinita o Gebo chorou prostrado. Quis tentar, quis ainda erguer-se, mas a desgraça havia-o enfim aniquilado: engordarão, exaurira-o e pregara-o para sempre a chorar num colchão de trapos.

Então Sofia, que um dia e uma noite o viu chorar sem tréguas de olhos postos nela; que outro dia e outra noite, sem gritos nem frases, o viu todo branco e com fome, de olhos aguados, no mesmo choro de aflição – alheada, mais alta, desceu as escadas e entrou em casa das prostitutas. Todas as tardes descia e tornava altas horas, com pão para o Gebo, que só lagrimejava, prostrado, de muito longe, dum mundo de alucinação e de cabelos estacados.

Oh este cantar das mulheres, esta toada em farrapos, é a voz dos desgraçados, dos pobres, dos que não têm pão, nem felicidade na terra, e vem de muito longe, dum mundo de alucinação e de dor.





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