Os Pobres - Cap. 20: XIX - A Mouca Pág. 119 / 158

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As prostitutas, que dantes odiavam Sofia, chamam-lhe agora menina, depois que a vêem sua igual. Repartem com ela o pão que ganham, e ao vê-la caída, chorando, ficam aflitas, porque não sabem consolá-la.

– Mais lhe valia deitar-se a afogar – diz uma.

– Isto aqui é uma vida de cão.

– Olhai que ter fome!... Sempre a fome é negra – conclui outra.

Só a Mouca a odeia. Ela que foi sempre a mais maltratada, maltrata agora. Se pudesse, pisá-la-ia aos pés.

Ela, de quem todos se riam com escárnio, cuspida pelos soldados, quer fazer sofrer. Não há ser mais degradado, não porque seja má, mas porque é como todas as criaturas que o homem cria para o gozo.

A princípio todas faziam sofrer Sofia. Tinham vontade de a rebaixar, de a verem chorar lágrimas de aflição para a igualarem.

– Cá temos a menina!

– Quem no diria? Não falava a ninguém a mosquinha morta! E para aprender!

– Deixai-a!

– Deixai-a o quê? Ela é como as outras.

– Deixai a pobre, que não faz senão chorar. Vocês não têm coração.

– Também a gente sofre.

Riam-se, empurravam-na para os piores tratos, mas pouco e pouco, diante daquela dor silenciosa e profunda, calaram-se. Tratavam-na por menina. Uma queria penteá-la, outra ajudá-la. Só a Mouca lhe tinha o mesmo ódio.

– Olha lá, ó parida!

– É comigo que fala?

– Faz-te tola! acaba lá com esses ares de senhora.

Já estou farta. Tu aqui és tanto como eu, sabes?

– Sei – diz Sofia.

– Tu conheces-me? Olha se me conheces, senão ensino-te quem sou. Acabou-se! embirro com isso.

Pareces uma sonsinha... Tu falas?

Sofia olha-a silenciosa.

– Ah, tu não falas? Olhas pra mim com cara de escárnio? Não quero que olhes pra mim, não quero, ouviste? Ai, não falas? Toma!

E deu-lhe uma bofetada.





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