Os Pobres - Cap. 8: VII - Primavera Pág. 55 / 158

Fazem-lhe nicho as arcarias e arrancam à treva, para se embrulharem, um farrapo do seu manto. Às vezes da escuridão sai um perfil, mãos que querem arrepelar, mas logo tudo se some entre roupagens, que têm a rigidez trágica das estátuas. Só a mão, que o lampião ilumina, fica decepada. Por vezes toda a figura baça e amolgada surge, para logo se aniquilar. A lama faz-lhe pedestal, passa o enxurro, e elas nem se mexem, petrificadas.

Algumas, de viverem dum passado de fogo, parecem mirradas, outras procuram minguar, extinguir-se, não ocupar lugar na terra. E entretanto as mulheres vão cantando na mesma toada de catástrofe, que a noite traga, como farrapos de sonho espezinhado...

Todas as noites o Gabiru lá vai sentar-se a um canto a cismar. Olha a Mouca sem palavra e sonha. Conhecem-no os ladrões e os soldados, e elas, vendo-o entrar, esgrouviado e triste, exclamam:

– Lá vem o enguiço!

A Mouca às risadas diz:

– Cá temos o enguiço!...

Mas em vão! Ele, com as enormes pernas dobradas, alheado, sem ver nem ouvir, pensa num amor ideal e monologa baixinho, entre as mulheres, os ladrões e os soldados:

«O que eu sonho! Eu que sou tão tímido, ponho-me a falar e a cismar... E tanto cismo!... Troco tudo...

Como é que tu gostas de mim, que nem te sei sorrir?

Ando a inventar uma língua nova, que seja como a das fontes e a das árvores, quando desponta março, para te exprimir o que sinto. Todas as palavras me parecem mirradas e servidas.

Olha, diz-me: chamas-te Maria, não é?» E entretanto os ladrões e as mulheres conversam:

– Tu não te calarás, estupor!

E uma tísica, magra, só com a pele e o osso, explica:

– Uma mulher da vida... Que estão vocês a dizer das mulheres da vida? Eu inda queria ver... Quando tu não tens pão, quem to dá?

E o ladrão responde:

– És tu.





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