Cândido - Cap. 20: CAPÍTULO XX - O que aconteceu no mar a Cândido e a Martin Pág. 71 / 118

Por todo o lado os fracos abominam os poderosos, diante dos quais rastejam, e os poderosos tratam-nos como rebanhos, de que vendem a lã e a carne. Um milhão de assassinos arregimentados, correndo de um lado para o outro da Europa, exercem disciplinada e ordenadamente o assassínio e a pilhagem como modo de vida, pois não encontram profissão mais honesta. E nas cidades onde parece reinar a paz e as artes florescem, os homens são devorados pela inveja e por mais cuidados e inquietações do que os habitantes flagelados pelo cerco da sua cidade. Os desgostos secretos são ainda mais cruéis que as misérias públicas. Numa palavra, tenho visto e sofrido tanto que sou maniqueu.

- E contudo o bem existe - afirmou Cândido.

- Pode ser - contrapôs Martin -, mas eu não o conheço.

No meio desta discussão, ouviu-se o troar de um canhão, que de momento a momento redobrava de intensidade. Ambos assestaram os seus binóculos e viram a uma distância de três milhas dois navios que disparavam um contra o outro. O vento aproximou-os a ambos do navio francês e os seus passageiros puderam gozar o prazer de tal espectáculo. Por último, um dos dois navios atirou ao outro uma saraivada de tiros tão certeira que o meteu ao fundo. Cândido e Martin aperceberam distintamente uma centena de homens sobre o convés do navio que se afundava. Erguiam as mãos ao céu e lançavam clamores horríveis. Num instante, tudo foi engolido.

- Eis como os homens se tratam uns aos outros - disse Martin.

- Não há dúvida alguma - concordou Cândido - que há algo de diabólico neste caso.

Enquanto assim discorriam, Cândido viu qualquer coisa de um vermelho vivo, que nadava a par do navio que o transportava. Lançou-se a chalupa à água para ver o que seria: era um dos seus carneiros.





Os capítulos deste livro

CAPÍTULO I - Como Cândido foi educado num belo castelo e porque dele foi expulso 1 CAPÍTULO II - O que aconteceu a Cândido entre os Búlgaros 4 CAPÍTULO III - Como Cândido se livrou dos Búlgaros e o que lhe aconteceu 7 CAPÍTULO IV - Como Cândido encontrou o seu antigo mestre de filosofia, o Dr. Pangloss, e o que lhe aconteceu 10 CAPÍTULO V - Tempestade, naufrágio, tremor de terra, e o que aconteceu ao Dr. Pangloss, a Cândido e ao anabaptista Tiago 14 CAPÍTULO VI - Como se fez um belo auto-de-fé para impedir os tremores de terra e como Cândido foi açoitado 18 CAPÍTULO VII - Como uma velha cuidou de Cândido e ele encontrou aquela que amava 20 CAPÍTULO VIII - História de Cunegundes 23 CAPÍTULO IX - O que aconteceu a Cunegundes, a Cândido, ao inquisidor-mor e ao judeu 27 CAPÍTULO X - Em que angústia Cândido, Cunegundes e a velha chegam a Cádis e como embarcaram 29 CAPÍTULO XI - História da velha 32 CAPÍTULO XII - Continuação da história das desgraças da velha 36 CAPÍTULO XIII - Como Cândido foi obrigado a separar-se da bela Cunegundes e da velha 40 CAPÍTULO XIV - Como Cândido e Cacambo foram recebidos entre os jesuítas do Paraguai 43 CAPÍTULO XV - Como Cândido matou o irmão da sua querida Cunegundes 47 CAPÍTULO XVI - O que aconteceu aos dois viajantes com duas raparigas, dois macacos e os selvagens chamados Orelhões 50 CAPÍTULO XVII - Chegada de Cândido e do seu criado ao país do Eldorado e o que aí Viram 54 CAPÍTULO XVIII - O que viram no país do Eldorado 58 CAPÍTULO XIX - O que lhes aconteceu em Suriname e como Cândido conheceu Martin 64 CAPÍTULO XX - O que aconteceu no mar a Cândido e a Martin 70 CAPÍTULO XXI - Cândido e Martin aproximam-se das costas de França e filosofam 73 CAPÍTULO XXII - O que aconteceu em França a Cândido e a Martin 75 CAPÍTULO XXIII - Cândido e Martin dirigem-se para as costas de Inglaterra e o que por lá vêem 87 CAPÍTULO XXIV - De Paquette e do Irmão Giroflée 89 CAPÍTULO XXV - Visita ao Sr. Pococuranté, nobre veneziano 94 CAPÍTULO XXVI - De uma ceia que Cândido e Martin tiveram com seis estrangeiros e quem eles eram 100 CAPÍTULO XXVII - Viagem de Cândido para Constantinopla 104 CAPÍTULO XXVIII - O que aconteceu a Cândido, Cunegundes, Pangloss, Martin, etc. 108 CAPÍTULO XXIX - Como Cândido reencontrou Cunegundes e a velha 111 CAPÍTULO XXX – Conclusão 113