Cândido curou-se e durante a sua convalescença teve boa companhia ao jantar e ao serão. Jogava-se forte. Cândido espantava-se sempre por nunca ter ases, mas Martin não se surpreendia.
Entre os que lhe faziam as honras da cidade, havia um pequeno abade perigordino (natural da região de Périgord, França), que era uma daquelas pessoas solícitas, sempre prontas, sempre serviçais, descaradas, lisonjeiras e acomodatícias, que espreitam a passagem dos estrangeiros, lhes contam a história escandalosa da cidade e lhes oferecem prazeres para todos os gostos. Esse abade levou um dia Cândido e Martin ao teatro. Representava-se uma peça nova. Cândido achou-se no meio de pessoas de muito espírito, o que não o impediu de chorar no meio de cenas muito bem representadas. Um dos faladores que se encontrava ao seu lado disse-lhe num dos intervalos:
- Fazeis mal em chorar, porque a actriz é bastante má, o actor que contracena com ela ainda é pior e a peça ainda é mais horrível do que os actores. A cena passa-se na Arábia e o autor não sabe patavina de árabe e, para mais, é um homem que não acredita nas ideias inatas. Amanhã vos trarei vinte brochuras escritas contra ele.
- Senhor - perguntou Cândido ao abade -, quantas peças de teatro há em França?
- Cinco ou seis mil - respondeu este.