- É muito - observou Cândido. - E quantas serão boas?
- Quinze ou dezasseis - replicou o outro.
- É muito! - sentenciou Martin.
Cândido entusiasmou-se com uma actriz que fazia o papel de rainha Isabel, numa peça bastante monótona que se representava algumas vezes.
- Esta actriz - confessou ele a Martin - agrada-me muito, porque se parece com a menina Cunegundes. Gostaria imenso de lhe ser apresentado.
O abade perigordino ofereceu-se para o levar a casa dela. Cândido, educado na Alemanha, perguntou-lhe como era a etiqueta e como se tratavam, em França, as rainhas de Inglaterra.
- É preciso distinguir - disse o abade. - Na província costumam levá-las para uma taberna; em Paris respeitam-nas enquanto são belas e lançam-se no monturo quando morrem.
- Rainhas no monturo! - exclamou Cândido.
- Mas é verdade - interveio Martin -, o Sr. Abade tem razão. Eu encontrava-me em Paris quando a menina Monime passou, como se costuma dizer, desta para melhor. Recusaram-lhe o que as pessoas daqui chamam as honras da sepultura, isto é, a honra de apodrecer num horrível cemitério, com os pobres do bairro. Foi enterrada a um canto da Rua de Borgonha, o que lhe devia dar muitos cuidados, pois ela pensava com grande elevação.
- Isso foi muito descortês - disse Cândido.
- Que quereis? - disse Martin. - Estas pessoas são assim. Imaginai todas as contradições, todas as incoerências e todas as incompatibilidades possíveis, e encontrá-las-eis no Governo, nos tribunais, nas igrejas, nos espectáculos desta divertida nação.
- É verdade que em Paris se passa a vida a rir? - perguntou Cândido.
- Sim - respondeu o abade -, mas é irritante, porque se queixam de tudo às gargalhadas e praticam a rir mesmo os actos mais detestáveis.