«Fui durante algum tempo amante deste médico, para lhe provar o meu reconhecimento; porém, a mulher dele, que era loucamente ciumenta, batia-me todos os dias impiedosamente. Era uma verdadeira fúria. Este médico era o mais feio dos homens e eu a mais infeliz das mulheres, por ser sovada continuamente por causa de um homem que não amava. Sabeis, senhor, como é perigoso para uma mulher rabugenta ser esposa de um médico. Este, farto de aturar a mulher, deu-lhe um dia, para a curar de uma constipação, um remédio tão eficaz que ela morreu em duas horas, no meio de convulsões horríveis. Os pais dela intentaram contra o marido um processo-crime. Ele pôs-se em fuga e eu fui metida na prisão. A minha inocência não me teria valido se eu não fosse bonita. O juiz libertou-me, com a condição de suceder ao médico. Em breve, porém fui suplantada por uma rival, expulsa sem qualquer recompensa, e vi-me obrigada a continuar nesta profissão abominável, que parece aos homens tão divertida, mas que é para nós apenas um abismo de miséria.
«Vim para Veneza exercer a minha profissão. Ah, senhor, se pudésseis imaginar o que é ser obrigada a acariciar indiferentemente um velho negociante, um advogado, um frade, um gondoleiro, um abade; estar exposta a todos os insultos, a todos os vexames; ver-se muitas vezes reduzida a pedir uma saia emprestada para ir despi-la por causa de um homem repugnante; ser roubada por um do que se ganhou com outro; ser multada pela polícia e não ver diante de si outra perspectiva além de uma velhice horrível, um hospital e um monturo, concluireis que sou uma das criaturas mais infelizes do mundo.