Paquette abriu assim o seu coração ao bom Cândido, na presença de Martin, que disse a Cândido:
- Vedes que já ganhei metade da aposta.
O Irmão Giroflée ficara na sala de jantar, a beber um copo, enquanto esperava pelo jantar.
- Mas - disse Cândido a Paquette - tínheis um ar tão alegre e contente, quando vos encontrei! Cantáveis e acariciáveis o teatino com uma complacência natural e pareceste-me tão feliz como desditosa vos achais.
- Ai, senhor - replicou Paquette -, essa é a outra das misérias do ofício. Ontem fui espancada e roubada por um oficial e é preciso que hoje pareça de bom humor para agradar a um frade.
Cândido não quis ouvir mais e confessou que Martin tinha razão. Sentaram-se à mesa com Paquette e o teatino. O jantar foi bastante divertido e no fim falou-se com alguma confiança. - Meu padre - disse Cândido ao frade -, pareceis gozar de uma sorte que toda a gente vos invejará. As rosas da saúde brilham-vos no rosto e no vosso semblante reflecte-se a bondade. Tendes uma linda rapariga para vos recreardes e pareceis sentir-vos muito contente no vosso hábito de teatino.
- Palavra de honra, senhor - disse o Irmão Giroflée -, que gostaria bem que todos os teatinos fossem para o fundo do mar. Estive tentado a deitar fogo ao convento mais de um cento de vezes e a fazer-me turco. Os meus pais obrigaram-me aos quinze anos a vestir este hábito detestável, para poderem deixar todos os bens ao malvado do meu irmão mais velho, que Deus confunda! A inveja, a discórdia e a raiva habitam no convento. É verdade que tenho pregado alguns maus sermões que me renderam algum dinheiro, metade do qual o prior me rouba, gastando o resto com mulheres. Mas, quando à noite regresso ao convento, sinto vontade de quebrar a cabeça contra os muros do dormitório, o mesmo acontecendo com todos os meus confrades.