Eurico, o Presbítero - Cap. 13: Capítulo 13 Pág. 102 / 186

— Um homem — replicou o desconhecido, atravessando o círculo dos guerreiros que rodeavam o duque de Cantábria e lançando em volta olhos altivos —; um homem cujo coração é há longo tempo morto, porque as paixões o queimaram; mas cuja inteligência por isso mesmo é mais fria. Quantos sois vós? Quantos bucelários dormem pelas tendas desse vale? Apenas alguns centenares de lanças poderiam, ao todo, transpor convosco os passos das serras. Os infiéis e os renegados que os servem quantos são? Se podeis contar as estrelas que ora recamam o céu, podereis dizer-me o número deles. Tu, Pelágio, braço de ferro, coração de bronze, quem és tu? O guardador das últimas esperanças da Cruz e da pátria. Quem te deu, pois, o direito de correres a morte certa? Quem te deu o direito de apagar no sangue dos últimos godos o único facho que alumia as trevas do futuro da escravizada Espanha?

— E a ti — interrompeu furioso e arrancando meia espada o violento Sanción —, quem te incumbe de nos dizeres: «não saireis daqui»?

Quem és tu, que, vindo não sei donde, pretendes dominar como senhor aqueles que só obedecem a Deus?

O desconhecido olhou para o movimento ameaçador de Sanción, e pelo rosto passou-lhe um sorriso desdenhoso. Cruzou os braços e respondeu com voz lenta e solene:

— Por minha boca falaram milhares de godos que gemem no cativeiro e que voltam de contínuo os olhos para os cerros das Astúrias, onde apenas fulgura ténue o santo fogo da liberdade: falaram por minha boca as aras do Senhor calcadas pelos pés dos pagãos, as imagens de Cristo derribadas no lodo, os muros enegrecidos das cidades incendiadas. É isto tudo que vos diz: «não saireis daqui!» Perguntas quem sou? Dir-to-ei. O último homem que, junto do Chrysus, viu, combatendo, a face dos árabes vencedores, enquanto os valentes fugiam; o homem que tentou morrer com a pátria, e que a mão de Deus salvou para neste momento vos dizer: «não saireis daqui!» Queres saber quem eu sou? Lê, Pelágio, o que escreveu aí Teodemiro. Dize-lhe depois qual é o meu nome.





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