E, tirando da escarcela uma tira de pergaminho dobrada, abriu-a e entregou-a a Pelágio.
O duque de Cantábria correu-a pelos olhos e, deixando-a cair em terra, murmurou:
— Meu Deus, o cavaleiro negro! Os godos apinhados em roda recuaram alguns passos, e houve um momento de ansioso silêncio.
— Anjo, ou demónio, que nos explicas um mistério por outro mistério — exclamou, enfim, Pelágio visivelmente perturbado —; cristãos e árabes lembram-se ainda das tuas incríveis façanhas nas margens do Chrysus. Mil vezes eu próprio tenho dito: dez como ele haveriam salvado o império de Teodorico! Devemos obedecer-te, se és um homem, como dizes, porque vales mais que nós. Se és o anjo que preside aos fados da Espanha, mais submisso ainda será o nosso obedecer. Mas, que mal te fez minha desgraçada irmã?...
— Que mal me fez tua irmã? — atalhou com veemência o gardingo. — Nenhum!... E quem te disse que não quero, que não posso salvá-la, eu, que não sou anjo, que sou, como tu, um homem? Quais dentre vós — prosseguiu, voltando-se para os cavaleiros que o rodeavam — sois neste mundo sós e não tendes quem na morte regue com lágrimas a terra que vos cobrir? Quais de vós sois, como eu, desterrados no meio do género humano? Que os órfãos de coração ergam a dextra para o céu, onde só há um seio que lhes receba os gemidos de amargura, o seio imenso de Deus!
Doze guerreiros, e entre eles o fero Sanción, alevantaram a dextra para o ar à voz imperiosa do gardingo.