Eurico, o Presbítero - Cap. 14: Capítulo 14 Pág. 114 / 186

Ao dizer isto, Abdulaziz, segurando com a dextra o braço de Hermengarda, apertou-o com tanta violência que a desgraçada deu um grito de agonia e caiu de joelhos aos pés do árabe. O amir ergueu-a e, impelindo-a com força, ao mesmo tempo que despedaçava com a esquerda o raro cendal que lhe velava o rosto, a fez cair pálida e trémula sobre o almatrá. Os lábios da donzela quiseram ainda proferir algumas palavras — porventura uma súplica; mas apenas murmuraram sons inarticulados, e feneceram em arquejar doloroso.

No seu furor, o filho de Musa não sentira um rugido de cólera que respondera ao grito de Hermengarda, nem um ai passageiro e sumido, que, segundo era íntimo, parecia de homem a quem a ponta de um punhal rasgara subitamente o coração. Nas telas, porém, que dividiam o aposento do lugar donde pouco antes saíra o eunuco e que ficavam fronteiras à entrada principal da tenda uma figura humana se estampou negra sobre o chão brilhante da tapeçaria. O amir, volvendo casualmente os olhos, a viu. Crescia rápida. Escutou. Passos ligeiros soavam no vasto aposento. Voltou-se. Mas apenas pôde erguer o braço: vira reluzir no ar um ferro; vira um vulto coberto de armas semelhantes às dos cavaleiros de Al-Sudan: sentiu um golpe que lhe partia o braço erguido e que, batendo-lhe ainda no crânio, lhe retumbava no cérebro. Deu um grito, fechou os olhos e caiu aos pés de Hermengarda, manando-lhe o sangue da fronte. O monstro humano que conduzira ali a irmã de Pelágio assomou então no topo interior da tenda: o brado do amir o atraíra. Vendo seu senhor derribado e junto dele o que o ferira, o eunuco fez uma horrível visagem, como pretendendo falar: mas somente soltou um rugido acompanhado de um gesto de ameaça. Segundo o atroz costume do Oriente, Al-Fehri, destinado desde a infância ao serviço misterioso do harém, fora condenado em tenros anos a nunca imitar a voz humana. Privado da língua, as suas expressões eram acenos ou aflitivos e inarticulados rugidos.

O cavaleiro observava-o. Fê-lo sorrir o ademã feroz e ameaçador do eunuco. Tinha previsto todas as dificuldades daquela arriscada empresa e contava com o seu esforço e frieza de ânimo para as vencer. Ligeiro, travou de uma das tochas que ardiam junto da mesa do banquete e chegou-a às ricas tapeçarias que forravam a tenda.





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