Eurico, o Presbítero - Cap. 16: Capítulo 16 Pág. 143 / 186

Hermengarda não tinha ouvido ainda ao cavaleiro negro senão os sons quase inarticulados do seu grito de guerra: agora, porém, estas palavras, proferidas em tom enérgico, mas com voz trémula, troaram-lhe nos ouvidos, semelhantes à voz de alguém que na vida conhecera e que o sepulcro provavelmente tragara. O terror que lhe tolhia os membros redobrou com esta voz: por um ímpeto convulso de desesperação encaminhou-se, todavia, com passos incertos para a ponte fatal; mas, ao chegar a ela, recuou. Tinha abaixado de novo os olhos para a torrente, e de novo a torrente, como um sortilégio diabólico, a havia fascinado.

— Por tudo quanto haveis amado, cavaleiros da Cruz — exclamou ela desvairada —, em nome do céu, abandonai-me. O desalento e o susto me abrigarão no seio da morte da violência dos infiéis. Não posso!... Não posso vencer esse terrível abismo, que há-de tragar-me!

Os guerreiros de Pelágio, escolhendo aquela senda para a fuga, não haviam calculado com um coração feminino, mistura de esforço e timidez, de energia e de fraqueza, que será sempre para a filosofia um mistério.

— Os árabes! Esta palavra, cem mil vezes repetida na Espanha, como o dobrar por finado em país assolado da peste, soou atrás dos cavaleiros apinhados junto aos vestígios da porta decumana. Saíra da boca de Astrimiro, que, sem deixar o valo, tinha a vista cravada nos visos dos montes fronteiros até cujas gargantas se dilatava a selva.

Os guerreiros abriram subitamente aos lados, e olharam para as cumeadas da cordilheira coroadas de muçulmanos: os ferros polidos dos franquisques, que tinham pendentes dos pulsos por uma cadeia de ferro, cintilaram levemente trémulos.





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