Eurico, o Presbítero - Cap. 18: Capítulo 18 Pág. 163 / 186

E aqui, deixando pender a cabeça sobre o peito, pareceu voltar ao sentimento da realidade; mas aquela espécie de terror febril que lhe haviam gerado no espírito os transes, qual mais doloroso, por que sucessivamente passara, tornou a apossar-se dela. Favoreciam- -no o lugar, a hora, o silêncio. Hermengarda alevantou de novo os olhos desvairados e, firmando-se no rochedo, tentava erguer-se.

— Era Eurico! — murmurou ela. — Depois de dez anos, bem conheci a sua voz! Mais triste, só: triste, como tantas vezes a tenho ouvido nos meus sonhos de remorsos! Bem conheci o seu gesto! Mais pálido e carregado, só: pálido e carregado, como tantas vezes tem surgido do sepulcro para vir mudamente acusar-me, silencioso e quedo ante mim, por longas e não dormidas noites. Era ele!... um espectro cujo coração eu sentia bater, cujos braços me apertaram por cima do abismo revolto, através da floresta, pelos recostos das serranias. Dos seus olhos caiu sobre o meu seio uma lágrima! As lágrimas dos mortos queimam... devoram a vida; porque bem sinto a morte chamar-me...

Tinha-se posto de joelhos e, com as mãos estendidas, parecia implorar piedade.

— Morrer! tão cedo! Quando apenas torno a ver meu irmão?!... Pelágio! Pelágio! porque me deixaste? Vem despedir-te da tua pobre Hermengarda. Eurico a espera para o noivado do sepulcro, e eu não posso tardar.

E desvairada, pôs-se em pé, chamando por Pelágio com voz sufocada. Apenas, porém, dera os primeiros passos, soltou um gemido agudo e ficou imóvel. Diante dela, realidade ou fantasma, estava a origem dos seus terrores secretos. Era o gardingo que a amara, que ela cria morto, e cuja imagem vingadora vinha mais uma vez atormentá-la. O vulto cravara nela um olhar ardente, que a fascinava. Sorriso doloroso lhe pousava nos lábios.





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