Eurico, o Presbítero - Cap. 18: Capítulo 18 Pág. 162 / 186

De repente, um ai comprimido veio acordá-lo daquela espécie de torpor doloroso. Estremeceu. Era a voz de Hermengarda. Aproximou- se manso e manso, de modo que ela o não visse. Assentada sobre o leito, demudado o gesto, e com o susto pintado no olhar, a irmã de Pelágio estendia os braços, voltando o rosto para o lado, como quem tentava afastar visão medonha. Pelas suas palavras incoerentes e truncadas, o guerreiro conheceu que um sonho mau a agitava, até que, inteiramente desperta, essas palavras confusas se começaram a coordenar em períodos inteligíveis. O pulsar do coração de Eurico redobrava de violência, ao passo que o seu respirar se ia tornando cada vez mais imperceptível.

— Sempre ele! sempre esta visão de remorso! — murmurou Hermengarda. — Meu pai, meu pai! Perdoe-te o céu o orgulho com que repeliste o gardingo... Perdoe-te o céu o haveres-me obrigado a sacrificar aos pés desse orgulho o sentimento de amor que se alevantara neste coração. Nós ambos assassinámos o desgraçado; mas a punição caiu inteira sobre mim! Embora. Eu não te amaldiçoarei, oh meu pai! A tua filha nunca te acusará ante o Supremo Juiz.

Depois, ficou por alguns instantes calada, com os olhos fitos no rochedo fronteiro, em cuja face escabrosa as sombras pareciam dançar e agitar-se à luz da tocha que ardia a curta distância, e que a aragem movia. Crera perceber perto de si um gemido abafado, cortando fugitivo o grande silêncio nocturno.

— Vai-te, vai-te! — prosseguiu ela. — Que posso eu fazer-te, infeliz?... Bem longo e atroz tem sido o meu martírio, porque ainda não achei no mundo alma com quem me fosse dado repartir o cálix do infortúnio; a quem houvesse de contar os tormentos que há tanto tempo me varreram dos lábios o sorrir. Se vivesses, seria tua; tua esposa, tua escrava!... mas a bênção nupcial não pode descer entre o túmulo e a vida. Fávila!... meu pai!... diante do trono do Senhor, onde são iguais o duque e o gardingo, jura-lhe que tua filha repeliu o seu amor por obedecer-te: dize-lhe que o pranto correu destes olhos ao ouvir a nova da sua morte. Oh, dize-lhe, dize-lhe que não fui eu que o assassinei!





Os capítulos deste livro