Eurico, o Presbítero - Cap. 10: Capítulo 10 Pág. 58 / 186

— Vencedor dos Vascónios — gritou, rindo diabolicamente, o conde de Septum —, olha por ti! Nas margens do Chrysus não há taças de vinho, como aquela com que te embriagavas nos paços do teu senhor. Aqui o que corre é sangue! Teodemiro tinha já desencravado a espada do escudo de Juliano, em que ficara embebida. Rapidamente ela descera de novo guiada pela raiva de que abafava o guerreiro. O golpe quebrou o escudo já falsado e bateu no elmo brilhante do conde, com tal fúria, que este perdeu a luz dos olhos e, curvando-se para diante, abraçou- se ao colo do cavalo, quase sem sentidos. Outra vez que o duque de Córdova vibrasse o ferro, Juliano estava perdido: o caminho da morte lá lhe ficara indicado no elmo.

— Que olhas para o chão, traidor? — disse Teodemiro, com voz trémula de cólera e de escárnio e segundando o golpe. — É a terra da pátria que vendeste aos infiéis como tu!

O ferro, porém, não pôde chegar à cimeira do capacete do conde. Outro ferro, seguro por mão robusta, se meteu de permeio. Era a espada de Mugueiz, o qual, passando, vira o perigo iminente do seu amigo e correra para o salvar. Então Teodemiro voltou-se contra o renegado, e um violento combate se travou entre ambos. Mugueiz não era menos destro que o príncipe da Bética. Mais membrudo e robusto que ele e, além disso, ainda não ferido, a vantagem era toda sua; mas o esforço de Teodemiro supria essa inferioridade.

Entretanto Juliano recobrara o alento; a vergonha, o despeito, a sede de vingança estorciam-lhe o coração. O nobre ginete em que cavalgava, sentindo seu senhor semimorto, tinha corrido espantado até onde a multidão de cristãos e árabes, travados em peleja sanguinolenta, lho consentia. O conde, cravando-lhe os acicates, com a espada erguida na mão, arremessou-o para o lugar onde o duque de Córdova pelejava com Mugueiz. Era um feito covarde: mas que importava a Juliano a desonra? Assinalado com o ferrete indelével de traidor, havia-se habituado a viver para um sentimento único — a vingança. E a vingança era quem o impelia.





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