Eurico, o Presbítero - Cap. 12: Capítulo 12 Pág. 81 / 186

As palavras de Atanagildo vibraram no coração de Cremilde, como vibra o primeiro dobre pelo finado que ainda jaz em seu leito da derradeira agonia na alma do bom filho, que reza, chorando, ajoelhado ao pé dele. Recuou aterrada e, volvendo para o céu os olhos enxutos, porque a aflição neles estancara as lágrimas que despontavam, ficou por alguns momentos com as mãos erguidas, como implorando uma inspiração de cima. Pouco a pouco, porém, as suas faces tingiram-se da cor da vida, o sorriso da esperança rodeou-lhe os lábios, e as lágrimas, consolo supremo das maiores mágoas e, também, expressão eloquente dos contentamentos mais íntimos, lhe rebentaram com força e lhe orvalharam a negra estamenha do hábito.

— O martírio! o martírio! — murmurou a abadessa. — Oh Cristo! bendito seja o teu nome.

— O martírio, sim — interrompeu o quingentário —, mas depois do sacrilégio; mas depois que as vítimas da corrupção dos traidores tiverem sido arrastadas para longe da Espanha e depois que nos haréns do Oriente houverem sido poluídas pela sensualidade brutal dos conquistadores. Eu, ao menos, não verei esta última ofensa à santa religião de nossos pais...

— Ide — prosseguiu a abadessa, que parecia não o haver escutado, embebida em meditação profunda. — Quando os infiéis se aproximarem, enviai-lhes mensageiros de paz. Que vos deixem acolher às montanhas com essa multidão de infelizes que vieram buscar o abrigo destes muros. Não cureis das monjas da Virgem Dolorosa, nem receeis por elas. Achei um meio para as salvar da sorte medonha que as ameaça. Desamparai-nos; porque o arcanjo do esforço é o nosso defensor. O meu arbítrio será aceito pela escolhidas de Cristo; sê-lo-á, porque o Senhor mo inspirou. Nada mais é preciso dizer-vos.





Os capítulos deste livro