Inferno - Cap. 17: Capítulo 17 Pág. 50 / 102

Depois de fixar a vista no rosto de alguns que o doloroso fogo flagelava, não conheci nenhum; mas apercebi-me de que todos eles tinham suspensa ao pescoço uma bolsa de diversa cor e com um símbolo determinado, na qual os seus olhos pareciam deleitar-se. E, ao passar por eles, observando, vi numa bolsa amarela uma figura azul que tinha rosto e aparência de um leão5. Depois seguindo o rumo do olhar, vi outra rubra como sangue, mostrando uma pata mais branca que o leites. E outro, que com uma porca azul e prenhe tinha marcada a sua bolsa brancas, assim falou: «Que fazes neste fosso? Vai-te! E, porque estás vivo ainda, fica a saber que Vitaliano9, conterrâneo meu, se sentará aqui, à minha esquerda. Entre estes florentinos sou de Pádua; muitas vezes me atraem os ouvidos gritando: 'Que venha o cavaleiro soberano que trará a bolsa com três bicos!' Depois torceu a boca e deitou de fora a língua como o boi quando as narinas lambe. E eu, temendo que manter-me ali mais tempo desgostasse quem a pouco demorar me aconselhara, voltei atrás, afastando-me das almas miseráveis.

Encontrei o meu guia já montado na garupa do feroz animal, e ele disse: «Agora sê forte e ousado. Daqui em diante é por escadas como esta que se desce; monta na frente, que eu quero estar no meio, para que a cauda não possa fazer-te mal.» Como aquele que tão perto está do tremor da quarta que as unhas tem já brancas e todo treme só de olhar a própria sombra, assim fiquei ante palavras tais. Mas a ameaça que nelas se continha cobriu-me da vergonha que ante o bom amo torna forte o servo, e sobre aquele lombo me sentei e quis dizer, sem que, como julgava, me saísse a voz: «Abraça-me.» Mas ele, que outras vezes noutros perigos me socorrera já, assim que montei, com os braços me agarrou e me susteve e disse: «Avança agora, Gérion! Dá as curvas largas, e desce a pouco e pouco: pensa na nova carga que transportas.»





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