Inferno - Cap. 19: Capítulo 19 Pág. 57 / 102

Não sei se terei sido ousado de mais ao responder-lhe deste modo: «Diz-me lá: quanto dinheiro a São Pedro pediu Nosso Senhor para nas suas mãos depositar as chaves? Decerto lhe não disse mais do que 'Segue-me'. Nem Pedro nem os outros exigiram a Matias ouro ou prata, quando escolhido foi para o lugar que perdeu a alma traidora. Por isso, queda-te ai, que bem mereces tal castigo, e guarda bem a moeda mal ganha que contra Carlos tão audaz te fez ser. E, não fosse impedir-mo a reverência pelas chaves supremas que em vida tiveste, mais fortes palavras usaria ainda, pois a vossa avareza entristece o mundo, oprimindo os bons e elevando os maus. De vós, pastares, se lembrou o evangelista quando aquela que tem assento sobre as águas viu com os reis fornicar, aquela que nasceu com sete cabeças e que dez cornos tinha, enquanto o seu esposo se compraria na virtude. Vós fizestes Deus de ouro e de prata. Que vos distingue então dos idolatras, a não ser que eles a um adoram e vós a uma centena? Ai, Constantino, de quantos males foste origem, não devido à tua conversão, mas pelo dote que de ti recebeu o primeiro papa rico!»

E, enquanto eu tal sermão lhe fazia, fossem a ira ou a consciência que remorsos lhe dessem, ambas as pernas fortemente remexia. Creio que isto agradou ao meu guia, tal o contentamento no seu rosto ao escutar as palavras que com sinceridade proferi. Então agarrou-me com ambos os braços e, depois de me ter bem junto ao peito, voltou a subir pelo caminho por onde havíamos descido, não se cansando sequer por me levar apertado contra si, até que me conduziu junto à cúpula do arco que leva da quarta à quinta margem. Ai depositou suavemente a sua carga, com cautela, pois era tão áspero e abrupto o rochedo que para cabras mesmo seria difícil passagem. Ali chegado, outro fosso avistei.





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