Inferno - Cap. 2: Capítulo 2 Pág. 6 / 102

Lúcia, inimiga de tudo o que é cruel, veio ao lugar onde eu me sentava com a antiga Raquel^l ~ e disse: 'Beatriz, vero louvor de Deus, porque não socorres a quem tanto te amou, que por ti abandonou a vulgar turba? Não vês a morte com que se debate sobre a lagoa que em perigos nem o mar excede?' Jamais alguém houve no mundo que para obter 0 seu bem ou a seu mal se furtar tanto corresse como eu, que, depois de ouvir palavras tais, do meu ditoso assento aqui baixei, confiando na tua sábia fala, que te honra a ti e aos que de ti a ouvem.

» Após ter-me explicado assim os seus motivos, a mim volveu o olhar cintilante e choroso, o que fez apressar a minha vinda; e assim vim até ti, como era seu desejo, e te livrei da fera que te barrava o trilho para o belo monte. Que sucede, pois? Porque te deténs? Porque albergas no coração tamanha cobardia? Porque te não armas de ardor e de coragem, quando três mulheres benditas por ti velam no Céu e tanto bem te promete a minha fala?»

Como as andorinhas, dobradas e fechadas pelo gelo da noite, se erguem e descerram quando brilha o sol, assim me aconteceu, pois, estando de forcas esgotadas, tal ardor me veio ao coração que comecei a dizer, já corajoso: «Oh, piedosa a mulher que me socorreu! E tu, que cortesmente obedeceste sem tardança às palavras sinceras que te dirigiu! A rua fala tal animo me trouxe ao coração que retomei o fito que antes me animava Vamos, pois, que a mesma vontade nos impele; guia-me então, sê meu senhor e mestre.» Assim lhe disse e, quando principiou a andar, entrei no caminho áspero e duro.
 





Os capítulos deste livro