1984 - Cap. 20: Capítulo XX Pág. 273 / 309

Nós não somos assim. Sabemos que ninguém jamais toma o poder com a intenção de largá-lo. O poder não é um meio, é um fim em si. Não se estabelece uma ditadura com o propósito de salvaguardar uma revolução; faz-se a revolução para estabelecer a ditadura. O objetivo da perseguição é a perseguição. O objetivo da tortura é a tortura. O objetivo do poder é o poder. Agora começas a compreender-me?

Winston ficou admirado, como já ficara antes, pelo cansaço do rosto de O'Brien. Era forte, carnudo e brutal, cheio de inteligência e de uma espécie de paixão controlada diante da qual ele se sentia inerme; mas estava cansado. Tinha olheiras fundas, e as bochechas estavam flácidas. O'Brien inclinou-se sobre ele, aproximando de propósito a cara gasta.

- Estás a pensar que o meu rosto está velho e cansado. Estás a pensar que falo do poder, e no entanto não consigo deter a deterioração do meu próprio corpo. Não podes compreender, Winston, que o indivíduo é apenas uma célula? O cansaço da célula é o vigor do organismo. Acaso morres quando aparas as unhas?

Afastando-se da cama e pôs-se a passear de um lado para outro, com a mão na algibeira.

- Somos os sacerdotes do poder - disse. - Deus é poder. Mas no momento, para ti, poder é apenas uma palavra. É tempo de teres uma ideia do que significa poder. A primeira coisa que deves entender é que o poder é coletivo. O indivíduo só tem poder na medida em que cessa de ser indivíduo. Conheces o lema do Partido: "Liberdade é Escravidão." Já te ocorreu que é reversível? Escravidão é liberdade. Sozinho, livre, o ser humano é sempre derrotado. Assim deve ser, porque todo ser humano está condenado a morrer, que é o maior dos fracassos. Mas se puder realizar uma submissão completa, total, se puder fugir à sua identidade, se puder fundir-se no Partido então ele é o Partido, e é omnipotente e imortal.





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