1984 - Cap. 5: Capítulo V Pág. 63 / 309

Era curioso que aquele tipo de escaravelho proliferasse nos Ministérios: homenzinhos tronchos, ainda moços e já obesos, de perninhas curtas, movimentos rápidos, assustados, faces gordas e inescrutáveis, de olhos minúsculos. Era o tipo que parecia florescer melhor sob o domínio do Partido.

O anúncio do Ministério da Fartura terminou com outra fanfarra e foi seguido de música metálica. Parsons, movido a um vago entusiasmo pelo bombardeio dos números, tirou o cachimbo da boca.

- O Ministério da Fartura fez excelente trabalho este ano - disse, abanando a cabeça com ar de quem sabe o que fala. - Por falar nisso, meu velho Smith, não tens uma giletinha que possas ceder? - Nenhuma - replicou Winston. - Há seis semanas que estou usando a mesma lâmina. - Ah, bom... achei que não fazia mal perguntar. - Sinto muito. O grasnido da mesa próxima, provisòriamente calado pelo aviso do Ministério, recomeçara, mais forte que nunca. Por algum motivo obscuro Winston de repente se surpreendeu pensando na Sra. Parsons, com o cabelo ralo e poeira nas rugas. Dentro de dois anos aquelas crianças a denunciariam à Polícia do Pensamento. A Sra. Parsons seria vaporizada. Syme seria vaporizado. Winston seria vaporizado. O'Brien seria vaporizado. Por outro lado, Parsons jamais seria vaporizado. A criatura sem olhos, da voz grasnante, jamais seria vaporizada. Os homenzinhos escaravelhais que tão de manso palmilhavam os labirintos dos Ministérios - esses tampouco seriam vaporizados. E a mulher do cabelo escuro, a guria do Departamento de Ficção: jamais seria vaporizada. Parecia-lhe saber por instinto quais sobreviveriam e quais pereceriam, embora não fosse fácil dizer o que dava direito à sobrevivência.





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