Naquele momento, foi arrancado das suas meditações por um violento golpe. A moça da mesa vizinha voltara-se de lado e estava olhando para ele. Era a rapariga do cabelo escuro. Olhava-o com o rabo dos olhos, mas com intensa curiosidade. No momento em que percebeu que ele também a fitava, desviou a vista.
O suor escorreu pela espinha de Winston. Um horrível arrepio de terror perpassou por ele. Sumiu quase imediatamente, mas deixou um ressaibo de mal-estar. Por que o fitaria daquele modo? Por que vivia a segui-lo? Infelizmente, não podia se lembrar se ela já estava na mesa quando ele chegara, ou se viera depois. A questão era que na véspera, durante os Dois Minutos de ódio, sentara atrás dele sem haver necessidade visível de o fazer. Com toda a certeza o seu objetivo real fora escutá-lo e verificar se gritava bem alto contra Goldstein.
O pensamento anterior voltou à mente de Winston: provavelmente não era da Polícia do Pensamento, devia ser o tipo do espião amador, que é a pior praga de todas. Não sabia quanto tempo ela o estivera olhando, talvez uns cinco minutos, e era possível que não tivesse a fisionomia perfeitamente controlada. Era terrivelmente perigoso deixar os pensamentos vaguearem num lugar público, ou no campo de visão duma teletela. A menor coisa poderia denunciá-lo. Um tique nervoso, um olhar inconsciente de ansiedade, o hábito de falar sozinho - tudo que sugerisse anormalidade, ou algo de oculto. De qualquer forma, uma expressão facial imprópria (ar de incredulidade quando anunciavam uma vitória, por exemplo) era em si uma infração punível. Em Novilíngua havia até uma palavra para caracterizá-la: chamava-se facecrime.
A rapariga tornara a dar-lhe as costas.