1984 - Cap. 8: Capítulo VIII Pág. 88 / 309

Quando chegou perto viu que era uma mão humana decepada pelo pulso. Fora o corte sanguinolento, a mão esbranquiçara de tal modo que parecia um modelo de gesso. Com um pontapé atirou a mão à sarjeta e depois, para evitar o povaréu, dobrou uma ruela à direita. Dali a três ou quatro minutos deixara a área afetada pela bomba, e o sórdido formigamento da vida das ruas continuava como se nada tivesse sucedido. Eram quase vinte horas, e as lojas de bebidas frequentadas pelos proles ("bares", eram chamados) estavam cheias de fregueses. Pelas emporcalhadas portas de vai-vem, que se abriam e fechavam sem cessar, vinha um cheiro de urina, serragem e cerveja azeda. Num ângulo formado pela fachada saliente de uma casa, três homens estavam parados, muito juntos, estudando um jornal seguro pelo do meio, e que os dois outros liam por cima do ombro dele. Mesmo antes de chegar perto o suficiente para lhes distinguir as feições, Winston pôde ver como estavam absortos. Devia ser algo muito sério o que lhes prendia a atenção. Estava a alguns passos de distância quando de ' repente o grupo se afastou e dois homens se puseram a altercar violentamente. Por um minuto, até pareceu que fossem às vias de fato.

- Não escutas o que t'digo? Pois se tou dizeno que nenhum número acabado em sete já ganhou há mais de um ano e dois meis!

- Ganhô sim! - Ganhô nada! Lá na terra tomei nota de tudo, doizano, num pedaço de papé. Escrevi que nem relógio: direitinho. E 'tdigo que nenhum número acabado em sete... - Ganhô sim! Espera aí que já me lembro do danado do número. Quatro, zero, sete, era a terminação. Foi em fevereiro... segunda semana de fevereiro.

- Fevereiro a vovózinha! Eu tomei nota preto no branco.





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