Põem-se a cismar na mãe que descansa na terra encharcada. Tudo tão triste, dias sem pão, e o amor a prendê-los, a uni-los, mais forte que a desgraça. Não protestam, não têm forças para gritar. Baixinho o velho Gebo e a filha choram aquela que a terra primeiro tragou.
– Se o Senhor também nos levasse...
E Sofia bebendo do mesmo copo:
– Tenha paciência, tenha paciência...
– Se o Senhor nos levasse juntos, na mesma hora...
Cuido que não tinha tanto frio.
– Aí tem pão.
– Sabes? Eu tenho medo de morrer. Se morresse contigo, minha filha, não tinha tanto medo.
– A mãe lá nos espera. Na cova acabam-se as precisões e as lágrimas...
– Tudo se acaba na cova. Chegada a nossa hora, acaba-se também a desgraça.
– Aqui tem o vinho.
Natal dos pobres, noite de comunhão, noite de lágrimas e saudades! Não é chuva que cai sem ruído, são lágrimas. O Gebo abre a janela e põe-se a falar para a escuridão com palavras que a noite escuta, com palavras que a noite leva.
Em torno da mesa de pinho ceiam as mulheres.
Com os cotovelos fincados nas tábuas, olham o vinho quente e cismam... Ceia de natal! Ceia de natal!... Até as prostitutas se querem lembrar... Moídas de pancadas, têm más palavras, gritos, e um sorriso humilde. Fazem-se pequeninas para que lhes perdoem uma vida infame.
Falam! falam!... Parece que a mesma primavera negra fez dar emoção a estas criaturas exploradas e servidas. Lembram-se da sua vida, sempre lágrimas, risos sem piedade... Uma começa:
– Ninguém canta?
E logo outra, como se as palavras lhe saíssem de golfão:
– Eu cá foi por fome que me desfrutaram. Ninguém queria saber de mim e a minha madrasta calcava-me aos pés.
– Eu não sei como foi...
– E eu então – continua – foi por fome.