Envelheci na miséria e no opróbrio, tendo apenas metade do traseiro, lembrando-me sempre de que era filha de um papa, tentada cem vezes a suicidar-me, mas amando ainda a vida. Esta fraqueza ridícula é talvez uma das nossas inclinações mais funestas. Haverá coisa mais tola do que suportar continuamente um fardo que se desejaria alijar, de abominar o próprio ser, e no entanto apegar-se a ele, acariciar, enfim, a serpente que nos devora, até que nos rói o coração?
«Vi nos países que o acaso me fez percorrer, e nas casas onde servi, um número prodigioso de pessoas que abominavam a vida, mas só vi uma dúzia delas que tinham posto voluntariamente fim à sua miséria: três negros, quatro ingleses, quatro genoveses e um professor alemão chamado Robeck.
«Acabei por ser criada em casa do judeu D. Issacar, que me pôs ao vosso serviço, minha bela menina, ficando assim ligada ao vosso destino e mais ocupada com as vossas aventuras do que com as minhas. Nem sequer vos teria falado dos meus infortúnios se vós me não houvésseis picado um pouco e se não fosse usual a bordo contar histórias para passar o tempo.
«Enfim, menina, tenho experiência, conheço o mundo. Podeis entreter-vos a pedir a todos os passageiros do navio que contem a sua história, e não encontrareis um só que não maldiga a sua vida e se não julgue muitas vezes o mais infeliz dos homens. Se assim não for, deitem-me ao mar de cabeça para baixo.