As lágrimas voltaram a correr-lhes dos olhos. O barão não se cansava de beijar Cândido e chamava-lhe irmão e salvador. - Talvez nós possamos, meu caro Cândido, entrar juntos na cidade como vencedores e salvar a minha irmã Cunegundes disse-lhe o comandante.
- É esse o meu maior desejo - respondeu-lhe Cândido -, pois já contava e conto ainda desposá-la.
- Vós, insolente?! - retorquiu o barão. - Tereis a impudência de desposar minha irmã, que tem setenta e dois costados de sangue nobre! Penso que estais louco, pois ousais falar-me de uma pretensão tão temerária!
Cândido, petrificado com tais palavras, respondeu:
- Meu reverendo padre, nem todos os costados do mundo serviriam de alguma coisa neste caso. Libertei a vossa irmã dos braços de um judeu e de um inquisidor. Ela deve-me bastantes obrigações e quer desposar-me. Mestre Pangloss sempre me disse que os homens são iguais, e certamente a desposarei.
- É O que veremos, malandro! - disse o jovem barão de Thunder-ten-tronckh, dando-lhe ao mesmo tempo uma espadeirada na cara.
Cândido puxa imediatamente da sua espada e enterra-a até aos copos no ventre do barão jesuíta. Porém, ao retirá-la ensanguentada, pôs-se a chorar, lamentando-se:
- Ai! meu Deus!, que matei o meu antigo senhor, o meu amigo, o meu cunhado. Sou o melhor homem do mundo, e, no entanto, já são três os homens que matei, entre os quais dois padres.
Cacambo, que estava de sentinela à porta da tenda, acorreu. - Só nos resta vender cara a vida- disse-lhe o amo. - Vão certamente entrar aqui. Se tivermos de morrer, que seja de armas na mão.
Cacambo, que já tinha visto meio mundo, não perdeu a cabeça. Tirou o uniforme de jesuíta que o barão envergava, vestiu-o a Cândido e fê-lo montar a cavalo.