- Nesse caso, a culpa não é deles - retorquiu Martin.
A maior parte dos jogadores, que não percebiam patavina desta conversa, bebiam; e, enquanto Martin conversava com o sábio, Cândido contava as suas aventuras à dona da casa.
Depois da ceia, a marquesa conduziu Cândido ao seu escritório e fê-lo sentar num canapé.
- Ora bem - disse ela -, continuais pois a amar perdidamente a menina Cunegundes, de Thunder-ten-tronckh?
- Sim, marquesa - respondeu Cândido.
A marquesa retorquiu-lhe com um sorriso terno:
- Respondeis-me como vestefaliano que sois. Um francês ter-me-ia dito: «É certo que amei a menina Cunegundes, mas, depois de vos ter visto, receio ter deixado de a amar.»
- Ai, senhora - disse Cândido -, responderei como quiserdes.
- A vossa paixão por ela - disse a marquesa - começou quando lhe apanhastes o lenço; quero que me apanheis a liga.
- Da melhor vontade! - disse Cândido, apanhando do chão a liga que ela para lá atirara.
- Mas quero também que ma torneis a pôr - prosseguiu a dama.
E Cândido assim fez.
- Sois estrangeiro. Ás vezes, faço suspirar os meus amantes de Paris durante quinze dias, e, se me entrego a vós logo à primeira noite, é para fazer as honras do país a um jovem da Vestefália.
E a beldade, tendo visto dois enormes diamantes nas mãos do seu jovem estrangeiro, louvou-os de tal maneira que dos dedos de Cândido logo passaram para os da marquesa.
Cândido, ao sair dali com o seu abade perigordino, sentia alguns remorsos por ter sido infiel à menina Cunegundes. O abade associou-se ao seu pesar, pois tinha apenas uma ligeira percentagem nas cinquenta mil libras que Cândido perdera ao jogo e no valor dos dois diamantes, metade dados e metade roubados.