— Filha dos cristãos — disse em língua romana o amir —, os dois dias que me pediste para chorares o teu cativeiro passaram. Resolveste, finalmente, ser a mais amada entre as mulheres de Abdulaziz; ser a invejada das donzelas do Oriente e quase a rainha das províncias de Andaluz, porque acima de Abdulaziz só dois homens existem na Terra, o amir de Al-Moghreb, aquele que me gerou, e o descendente do profeta, o que rege todo o império dos crentes?
— A minha resolução é morrer, quando te aprouver — replicou a cativa com serenidade —; porque essa resolução há muito que eu a tomei. Enganei-te, pagão, quando te pedi dois dias para chorar! Escarneci de ti, porque te abomino. Esperava que um braço de guerreiro que vale mais que o teu viesse arrancar-me do cativeiro. Ai de ti, se ele soubesse qual tinha sido o meu fado! Folga, pagão, de que a sentença fulminada por Deus contra os filhos da Espanha me abrangesse também. Nesta hora não fora eu; foras tu quem deveria perecer. Mas ele não pôde salvar-me; só me resta dizer-te: infiel, tu és maldito de Deus; príncipe dos árabes, tu és servo dos demónios; homem que me pedes amor, sabe que eu te detesto.
— Dize tudo — interrompeu o amir, apertando com força o braço da cativa e fitando nela os olhos, onde lutavam amor profundo e cólera violenta —, exala em injúrias a tua dor orgulhosa: sê, até, blasfema; mas não digas que detestas Abdulaziz; não digas que amas um godo e que ele fora capaz de te vir roubar da minha tenda. Desgraçado do nazareno que se lembrasse de amar-te depois que Abdulaziz te chamou sua. Onde se iria esconder esse mal-aventurado filho de uma raça vil e covarde, que pudesse escapar a este braço, o qual ao estender-se arranca pelos fundamentos os vossos castelos e reduz a pó os templos do vosso Deus e os muros das vossas cidades?