Os cavaleiros, correndo à rédea solta, sentiam coar-lhes nas veias involuntário terror, aumentado pelo estrupido soturno da cavalaria sarracena, que soava e ia morrer a grande distância num quase imperceptível sussurro.
A fúria da carreira crescia ao passo que os fugitivos se embrenhavam na maior espessura da floresta. Durante algum tempo, eles tinham podido descortinar os píncaros das montanhas e, lá muito ao longe, os mais altos cabeços do Vínio, que reflectiam o luar no seu manto prateado de neve.
Mas a selva já começa a rarear, e os ginetes a resfolegarem com mais violência: de instante a instante os cavaleiros cristãos, espreitando as estrelas do horizonte, que lhes servem de guias, vêem fugir aquela tela enredada, que as franças das árvores lhes afiguram como lançada sobre o chão claro do firmamento. Menos frequentes, as bastas e perenes folhagens dos medronheiros passam como globos negros, que, elevando-se a pouca altura da terra, voam despedidos, por um e por outro lado, para trás deles. É que os onze guerreiros principiam a galgar as alturas que são como a base irregular das montanhas, como o pedestal comum daqueles obeliscos da criação. O galope dos corcéis dá um som áspero de ferro batendo em pedra, e o alvejar desta revela que as torrentes passaram por lá e arrastaram a relva e os musgos que a humidade fizera nascer no Outono sobre o pó acumulado nos barrocais pelas ventanias do Estio. Naquele solo pedregoso e revolto torna-se mais dificultosa a fuga, e o ímpeto da carreira afrouxa visivelmente. Os árabes começam a sair dentre os arvoredos e a aproximar-se dos cristãos. Enquanto estes tenteiam a medo o chão mal gradado, que lhes rola debaixo dos pés dos cavalos, porque para eles o tropeçar, o vacilar é a morte, os seus numerosos perseguidores, atentos só a alcançá-los, galgam por cima do desgraçado almogaure que, derribado pelos próprios companheiros, expira sem combate, sem glória e sem que a perseguição dos fugitivos deixe por isso de ser, como até aí, incessante, implacável, vertiginosa.